Este artigo foi publicado inicialmente na Revista Seguridad y Poder Terrestre
Vol. 3 Nº 1 (2024): janeiro a março
DOI: https://doi.org/10.56221/spt.v3i1.49
Resumo
Abordando o problema profundamente enraizado do tráfico de drogas nos Vales dos Rios Apurímac, Ene e Mantaro (VRAEM), este artigo examina a complexa interação entre as organizações criminosas e a autodenominada Organização Terrorista Partido Comunista Militarizado do Peru Partido Comunista Marxista Leninista Maoista, principalmente Xiista (MPCP – MLM – PX). Seu objetivo é analisar as estratégias implementadas pelo Comando Especial dos Vales dos Rios Apurímac, Ene e Mantaro (CEVRAEM) para desmantelar o comitê central terrorista e cortar os vínculos com o tráfico de drogas. A metodologia empregada combina uma análise hermenêutica e documental, complementada pela experiência profissional dos atores da área, proporcionando uma visão abrangente e crítica da complexa realidade do VRAEM. Essa análise busca oferecer não apenas uma compreensão detalhada da situação atual, mas também sugerir abordagens abrangentes que envolvam esforços governamentais, sociais e econômicos para enfrentar esse desafio.
Palavras-chave: Terrorismo, crimes relacionados, tráfico de drogas ilícitas, segurança nacional, desenvolvimento nacional.
Introdução
O flagelo do tráfico de drogas está profundamente enraizado nos vales dos rios Apurímac, Ene e Mantaro, uma região onde a demanda internacional por cloridrato de cocaína, derivado das folhas de coca, gera uma complexa rede de desafios. Essa interação simbiótica entre as organizações criminosas envolvidas no tráfico de drogas e a autodenominada Organização Terrorista Militarizada Partido Comunista do Peru Partido Comunista Marxista Leninista do Peru, principalmente Xiista (MPCP-MLM-PX), submete a região ao medo e à intimidação, obstruindo a participação do investimento e do desenvolvimento.[1] Nesse contexto, a população, composta em sua maioria por migrantes andinos, está envolvida no cultivo da folha de coca, um componente essencial da produção de cocaína. As realidades econômicas e sociais, combinadas com essas dinâmicas complexas, desencadeiam uma luta constante.
Em resposta, o Estado determinou que o Comando Especial dos Vales dos Rios Apurímac, Ene e Mantaro (CEVRAEM) liderasse operações e ações militares para desmantelar o comitê central da organização terrorista, reduzir sua capacidade de combate e romper os nefastos vínculos com o Tráfico Ilícito de Drogas (TID).[2] Nesse contexto crítico, o CEVRAEM se posiciona como um baluarte contra a complexidade enraizada na aliança entre o tráfico de drogas e o terrorismo. Seu trabalho estratégico busca desvendar as camadas complexas dessa rede, confrontando as raízes profundas que alimentam esse problema regional e propondo uma abordagem abrangente para enfrentá-lo.
Tráfico de drogas no VRAEM: uma perspectiva integral de uma realidade complexa
Durante décadas, o persistente problema do tráfico de drogas no VRAEM criou raízes na sociedade peruana. Ele cresceu a partir da plantação e do cultivo da folha de coca.[3] Embora essa folha seja parte integrante da cultura andina, com usos culturais e religiosos, as organizações criminosas a exploram para a produção de cocaína para exportação. Inicialmente, os cartéis colombianos atuavam como intermediários nesse processo, mas com seu declínio, os cartéis mexicanos tÓscaram seu lugar. A região do VRAEM abrange cinco departamentos, dez províncias e 69 distritos, com uma população de aproximadamente 467.000 pessoas, representando 1,6% do total do país.
A organização terrorista Sendero Luminoso (SL), após a captura de seus líderes na década de 1990, rebaixou sua ideologia para o autodenominado MPCP-ML-PX, com os irmãos Quispe Palomino assumindo a liderança. Essa formação, antes caracterizada por sua ideologia comunista, degenerou em um clã familiar associado a organizações locais envolvidas com o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas.
A presença do SL no VRAEM herdou um histórico de violência sangrenta. Após a captura de seu líder histórico Abimael Guzmán Reynoso, vulgo “Gonzalo”, Oscar Ramírez Durand, vulgo “Feliciano”, assumiu o controle da região, infligindo violência brutal às comunidades nativas e aos centros populacionais até sua captura em julho de 1999.[4] Nesse contexto, surgiram os irmãos Quispe Palomino, que adotaram uma estratégia diferente, abordando a população camponesa por meio da proteção do cultivo da folha de coca e da comercialização de suas colheitas ilícitas.[5] Eles procuram se apresentar como facilitadores do crescimento econômico local e geradores de meios de subsistência locais, enquanto retratam as forças da lei e da ordem como obstáculos às suas atividades.
Essa simbiose entre o terrorismo e o tráfico de drogas no VRAEM desencadeou uma série de crimes relacionados, como o tráfico de produtos químicos controlados, madeira, armas, tráfico de pessoas e corrupção de autoridades. Portanto, a complexidade dessa situação exige estratégias abrangentes que abordem tanto a raiz do problema quanto suas ramificações, envolvendo esforços governamentais, sociais e econômicos para combater efetivamente essa adversidade.[6]
Figura 1: Total de hectares de área cultivada de folha de coca em produção por zonas cocaleras no VRAEM (2013-2019).
Fonte: Devida
Dos 69 distritos que compõem o VRAEM, 18 têm áreas de cultivo de folha de coca. Desses, 9 distritos concentram 87% do cultivo: Pichari e Kimbiri em Cusco; Vizcatán del Ene em Junín; e Canayre, Llochegua, Sivia, Santa Rosa, Samuragi e Anco em Ayacucho.
Crimes relacionados a drogas e desafios ao desenvolvimento sustentável
A vasta região que compreende o VRAEM se destaca por sua rica biodiversidade e potencial agrícola. Apesar de seu clima favorável para culturas legais, como o café e o cacau, a presença da terceira cultura, a folha de coca, destaca-se por sua natureza ilícita e por sua ligação com a produção de cocaína. De acordo com Waldo Mendoza e Janneth Leyva, 84,2% do valor bruto da produção agrícola nas bacias relacionadas à folha de coca no VRAEM provêm dessas três culturas, sendo a coca responsável por 55,3%, o café por 16,6% e o cacau por 12,3%.[7] Esse cenário aparentemente fértil contrasta com a realidade social e econômica da região. Embora tenha potencial turístico com sua beleza natural e a riqueza de suas comunidades nativas, os números da pobreza e do subdesenvolvimento são alarmantes.[8] A falta de infraestrutura em setores críticos, como educação, saúde, habitação e transporte, revela um quadro gritante e contraditório.
A presença de organizações dedicadas ao tráfico de drogas não apenas distorce a economia, mas também fomenta crimes relacionados que afetam profundamente a sociedade; a transição de fazendeiros para o cultivo da folha de coca, em busca de lucros rápidos, gera informalidade econômica e lavagem de dinheiro.[9] Essas organizações também criam entidades financeiras com fundos ilícitos, exacerbando a complexidade do problema.
O tráfico de pessoas, um subproduto nefasto dessa situação, é uma manifestação moderna da escravidão; mulheres de camadas pobres são enganadas e forçadas ao trabalho ou à exploração sexual, violando os direitos humanos; crianças não escapam dessa realidade, sendo usadas em plantações de coca ou como “mulas” no transporte de drogas. Outro componente preocupante é o tráfico de insumos químicos e produtos controlados, que são essenciais para a produção de cocaína; nesse contexto, a corrupção das autoridades encarregadas de seu controle facilita essa atividade ilícita.[10] Nesse contexto, a corrupção das autoridades encarregadas de seu controle facilita essa atividade ilícita.[11] É nesse ponto que a Superintendência Nacional de Alfândegas e Administração Tributária (Sunat) deve regular esses insumos desde 2012, mas sua eficácia tem sido questionada.
Um aspecto ainda mais grave é a naturalização das atividades ilícitas na mente dos habitantes locais; assim, para muitos moradores do VRAEM, participar de atividades ilegais relacionadas ao tráfico de drogas não é visto como algo fora da lei, mas como uma atividade normal necessária para sustentar suas famílias. Essa normalização complica ainda mais a erradicação desses problemas profundamente enraizados na sociedade.[12] Assim, o VRAEM enfrenta uma encruzilhada entre seus recursos naturais, o potencial turístico e uma economia distorcida pelo tráfico de drogas, e o enfrentamento desse problema exige não apenas operações militares e ações dos setores de Defesa e Interior, mas estratégias multissetoriais abrangentes que abordem as causas subjacentes e promovam o desenvolvimento sustentável, a educação e o fortalecimento institucional.[13]
Capacidades militares para enfrentar as ameaças à segurança nacional no VRAEM
De acordo com a Resolução Ministerial nº 1411-2016-DE/CCFFAA, de 22 de novembro de 2016, os papéis estratégicos das Forças Armadas (FF. AA.) são:
1. garantir a independência, a soberania e a integridade territorial da República.
2. Participar da ordem interna.
3. Participar do desenvolvimento nacional.
4. Participar do Sistema Nacional de Gerenciamento de Risco de Desastres.
5. Participar da política externa.
Nesse contexto, a organização dos Comandos Operacionais e dos Comandos Especiais é estritamente regulamentada, sendo estes últimos órgãos temporários criados especificamente para enfrentar ameaças à segurança nacional; portanto, a alocação de forças e recursos pelas instituições armadas é crucial para garantir o nível necessário de prontidão e para cumprir essas missões.[14] De acordo com o Plano de Campanha Militar do CEVRAEM-2023,[15] trata-se de uma entidade multifacetada com capacidades terrestres, aéreas, navais e de forças especiais; portanto, esses componentes são essenciais para desmantelar o comitê central, neutralizar a capacidade de combate da organização terrorista e, além disso, romper os vínculos entre essa organização e as dedicadas ao TID.
Na dimensão terrestre, a presença de quatro Grandes Unidades, como a 2ª Brigada de Infantaria, a 31ª Brigada de Infantaria, a 33ª Brigada de Infantaria e o Grupamento de Engenharia de Combate, permite a execução de várias missões. Entre elas estão as operações de reconhecimento e combate, o apoio às Forças Especiais, o controle da ordem interna, as ações militares durante riscos e desastres, bem como o apoio ao desenvolvimento por meio da manutenção das vias de comunicação pelas unidades de Engenharia Militar.
O componente naval é organizado em unidades de controle fluvial com pelotões de fuzileiros navais e armas de apoio ao combate. Sua missão abrange o controle territorial e fluvial, com capacidades de combate fluvial e de busca e salvamento. Ele também desempenha um papel fundamental no apoio à comunidade durante perigos e desastres. O componente aéreo, que opera com asas fixas e rotativas, fornece apoio essencial, desde missões de apoio aéreo aproximado até operações especiais, incluindo inserções, extrações e operações de engano. Seu papel é fundamental para o sucesso das operações de superfície; eles também realizam tarefas de inteligência e vigilância, além de reconhecimento. Além disso, o componente das Forças Especiais, com contingentes designados anualmente pelos institutos militares, compõe grupos de reconhecimento e de combate especial. Esses grupos realizam ações diretas, reconhecimento especial e contraterrorismo, e são peças-chave na luta contra a organização terrorista. Portanto, as capacidades operacionais do CEVRAEM são um amálgama abrangente que busca enfrentar com eficácia as complexas ameaças à segurança nacional na região.
Conclusões
- As complexas interconexões entre o tráfico de drogas, o terrorismo e os desafios socioeconômicos no VRAEM revelam a metamorfose do cultivo cultural da coca em um instrumento para o crime organizado. Essa associação gerou uma série de problemas, desde a distorção econômica até a proliferação de atividades ilícitas relacionadas, exigindo soluções abrangentes que abordem tanto as causas básicas quanto as manifestações do problema.
- Apesar da exuberante riqueza natural e do potencial para o turismo, o VRAEM apresenta uma dura realidade de pobreza e subdesenvolvimento. As atividades ilícitas, especialmente o tráfico de drogas, têm prejudicado os esforços de desenvolvimento sustentável. Esse forte contraste entre a abundância de recursos e a persistente falta de progresso destaca a urgência de abordagens abrangentes que tratem não apenas dos sintomas, mas também das raízes desse problema complexo.
- As forças armadas, lideradas pelo CEVRAEM, desempenham um papel crucial na segurança nacional. Sua abordagem abrangente, que engloba capacidades terrestres, aéreas, navais e de forças especiais, reflete um compromisso sério. Entretanto, a solução de longo prazo para a realidade do VRAEM não pode ser alcançada somente por meio de ações militares. O desafio está em equilibrar estratégias operacionais e de inteligência com abordagens multissetoriais que promovam mudanças sociais realmente positivas e sustentáveis na região.
Notas de fim:
- Miguel Gonzales, Óscar Calle, Ricardo Campos y Manolo Eduardo, “El Narcotráfico en el VRAEM: una Amenaza Naturalizada”, Revista de Ciencia e Investigación en Defensa-CAEN 4, no. 2 (2023), 37-56. ↑
- Ministerio de Defensa del Perú, Política de Defensa Nacional del Perú al 2030, (2020), https://www.gob.pe/institucion/mindef/noticias/150015-politica-de-defensa-nacional-del-peru-al-2030 ↑
- Miguel Gonzales, Óscar Calle, Ricardo Campos y Manolo Eduardo, “Problemática del Valle de los ríos Apurímac, Ene y Mantaro: Escenarios prospectivos”, Serie de cuadernos de trabajo, Centro de Estudios Estratégicos del Ejército (2023), https://ceeep.mil.pe/2023/08/31/problematica-del-valle-de-los-rios-apurimac-ene-y-mantaro/ ↑
- Francisco Escárzaga, “Auge y caída de Sendero Luminoso”, Bajo el volcán 2, n.° 3 (2001), 75-97, https://www.redalyc.org/pdf/286/28600305.pdf ↑
- Miguel Gonzales, et al, “Problemática del Valle ríos Apurímac, Ene y Mantaro: …” ↑
- Manolo Eduardo, “El VRAEM: Propuesta de Estrategia Para la Mitigación de las Amenazas”, Revista de Ciencia e Investigación en Defensa-CAEN 4, n.° 2 (2023), 101-117, https://recide.caen.edu.pe/index.php/recide/article/view/115 ↑
- Defensoría del Pueblo, “Abordaje de la lucha contra la corrupción en el VRAEM: Análisis de los instrumentos de política pública y de gestión regional del VRAEM”, (2022), https://www.defensoria.gob.pe/wp-content/uploads/2022/08/Informe-de-Adjunt%C3%ADa-Abordaje-de-la-lucha-contra-la-corrupci%C3%B3n-en-el-Vraem.pdf ↑
- Manolo Eduardo, “Amenazas contemporáneas, los roles de las fuerzas armadas y su integración con la sociedad”, Pensamiento Conjunto 10, n.° 1 (2022), 14, http://www.pensamientoconjunto.com.pe/index.php/PC/article/view/105 ↑
- Defensoría del Pueblo, “Abordaje de la lucha contra la corrupción en el VRAEM: Análisis de los instrumentos de política pública y de gestión regional del VRAEM”, (2022), https://www.defensoria.gob.pe/wp-content/uploads/2022/08/Informe-de-Adjunt%C3%ADa-Abordaje-de-la-lucha-contra-la-corrupci%C3%B3n-en-el-Vraem.pdf ↑
- Óscar Quispe, “Fracasó control de insumos químicos que van al tráfico de drogas”, Perú 21 (30 de mayo de 2023), https://peru21.pe/politica/fracaso-control-de-insumos-quimicos-que-van-al-trafico-de-drogas-sunat-mininter-vicente-romero-noticia/ ↑
- Luis Rojas, “Las estrategias en el VRAE”, Pensamiento Conjunto 6, n.° 3 (2018), 7, http://www.pensamientoconjunto.com.pe/index.php/PC/article/view/68 ↑
- Miguel Gonzales, et al, “Problemática Valle ríos Apurímac, Ene y Mantaro:…”, 37-56. ↑
- Estado Peruano, Decreto Supremo Nº 006-2023-PCM, “Crean la Comisión Multisectorial de naturaleza permanente denominada ‘VRAEM Productivo’ “, Plataforma Digital Única (13 de enero de 2023), https://www.gob.pe/institucion/minam/normas-legales/3839551-0006-2023-pcm ↑
- Ministerio de Defensa, “Resolución Ministerial Nº 1411-2016-DE, que aprueba los roles estratégicos de las Fuerzas Armadas con sus correspondientes definiciones y acciones estratégicas”, (2016). ↑
- Comando Especial VRAEM, “Plan de Campaña Militar ‘VRAEM-2023’: Para la lucha contra el Terrorismo, TID y otras amenazas conexas en el ámbito de responsabilidad del CE-VRAEM”. (Cusco, Perú: 2023). ↑